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Saiba evitar 'micos' na compra da casa própria - 23/08/2010

Fabíola Glenia Do G1, em São Paulo

Comprar a casa própria pode ser a realização de um sonho - ou se transformar em um "mico", se a compra for feita sem os cuidados necessários. O momento é bom, mas empolgação demais pode resultar em problemas. Comprar imóvel requer muito planejamento, uma dose generosa de paciência e, de preferência, o apoio de um bom corretor ou de um advogado, advertem os especialista.

 “Algo que falo sempre é: nunca compre por impulso”, esta é a primeira orientação de João Crestana, presidente do Sindicato da Habitação (Secovi-SP). Mas foi justamente o que a funcionária pública Sônia Regina Ramos de Andrade, de 30 anos, fez. “Fui ao local, visitei o empreendimento e assinei o contrato no stand de vendas”, conta. “O emocional falou muito alto na compra.” Agora, ela se vê com um financiamento nas mãos e uma dúvida na cabeça.

Sônia vive no Rio de Janeiro com a mãe. Determinada a morar sozinha, ela começou a visitar lançamentos e acabou comprando um imóvel na planta sem submeter o contrato e demais documentos à avaliação de um profissional. “No final de julho me ligaram dizendo que ia sair o financiamento pela Caixa e que teria que levar a documentação. Quando saiu o tal financiamento me informaram que havia um reajuste”, conta.

O que preocupa Sônia é, entre outros fatores, o valor cobrado. Quando ela fechou negócio, o imóvel estava avaliado em R$ 127 mil. Até o momento ela pagou R$ 7 mil. Portanto, a funcionária pública imaginou que financiaria algo em torno dos R$ 120 mil, mas foi surpreendida com um montante de R$ 131 mil. “Quando eu questionei, disseram que era uma correção do INCC. A minha dúvida maior era se o valor estava correto, porque achei a diferença muito grande”, explica.

Como destaca o presidente do Secovi, o brasileiro compra, em média, dois imóveis durante toda a vida. Portanto, cercar-se de cuidados é imprescindível. “Procure junto com a sua família ver quais são as necessidades. Localização – se perto do emprego, do lazer, de um hospital; tamanho – grande, com condomínio barato porque não tem área comum, ou menor, mas com uma bela área de lazer, por exemplo. É preciso ver o que a família tem necessidade”, orienta.

A outra dica de João Crestana é buscar algo que caiba no bolso do comprador. “O que cabe hoje, como está a sua situação de emprego hoje, qual a perspectiva para o futuro. Tem perspectiva de mudar de cidade, de ser promovido, de ser demitido?”, lembra ele.

Talvez o erro que eu cometi foi que busquei informações de mercado. Olhei balanço da Encol, estava tudo normal. (...) Acho que meu erro foi que não procurei um advogado que me desse outra orientação"

Alexandre de Souza Veiga

O presidente do Secovi lembra que, no momento da compra, todas as variáveis precisam ser analisadas com critério. Por exemplo, caso o comprador opte por um apartamento, é preciso decidir se a preferência é por um imóvel novo, na planta ou usado. Se quer um andar alto ou baixo, se prefere que fique de frente ou fundo, se deve ter varanda ou não, o número ideal de vagas de garagem, se a estrutura de lazer é importante, qual o valor de condomínio que não vai impactar demais no orçamento doméstico, portanto, é preciso esmiuçar tudo.

O mesmo raciocínio se aplica à escolha do bairro. “Tem bairros que, no mesmo quarteirão, um lado custa 20% menos que o outro, seja porque tem feira livre, porque tem bares, porque tem muito trânsito. Portanto, é preciso escolher muito bem”, reitera Crestana.

Precavido
O servidor público federal Ricardo Medauar Omnati, de 30 anos, não teve preguiça – nem se deixou levar pelo impulso. Depois de muita procura, ele encontrou o imóvel que queria. Mas não comprou, seguindo orientação do advogado. Nova busca, novo imóvel, nova recusa do advogado. Terceira tentativa e, mais uma vez, ouviu do advogado para seguir buscando.

Até encontrar o apartamento no qual mora hoje foram nove longos meses de procura. “Olhei mais de 30 apartamentos”, conta. O advogado só recomendou a compra da quarta opção levada pelo cliente. “As três primeiras opções, o advogado não recomendou a compra por problemas variados. No primeiro deles, a corretora falou que tinha vaga na garagem, mas a vaga era um acordo verbal, não constava na escritura. O segundo apartamento, o prédio não tinha nem o habite-se da prefeitura. Era um prédio novo, mas nunca tinha conseguido o habite-se porque tinha uma irregularidade na construção. Já o terceiro apartamento, a proprietária estava com problemas fiscais e parece que o imóvel poderia vir a responder por essas dívidas”, relata Ricardo.

Apesar de confessar que ficou um pouco frustrado quando ouviu do advogado para não comprar os outros imóveis dos quais gostou, Ricardo sabe que, no fim das contas, fez um bom negócio. “Hoje dou graças a Deus de ter ficado com a quarta opção, porque esse apartamento é de melhor qualidade que os outros e custou praticamente o mesmo”, admite.

Nessas idas e vindas de Ricardo, ele acabou inclusive mudando o bairro de interesse inicial. E esta atitude encaixa em mais uma das dicas do presidente do Secovi, João Crestana. Ele diz que o momento atual é o de fazer comparações. Comparar empresas, preços, condições, localização etc. “Quem reluta em fazer comparações pode deixar de comprar a melhor opção disponível”, comenta.

Encol
Um dos casos mais conhecidos do mercado imobiliário foi a falência da Encol, na época a maior construtora do país, decretada em 1999. Estima-se que o prejuízo tenha atingido cerca de 42 mil famílias. Entre elas, estava a do industriário Alexandre de Souza Veiga, de 39 anos. Era 1993 quando ele começou a procurar um apartamento para comprar porque iria se casar. “Comprei primeiro ali no Méier (bairro do Rio de Janeiro). Passado um ano, a Encol me chamou dizendo que o apartamento tinha dado problema e propuseram a devolução do dinheiro ou que eu fizesse a migração para outro empreendimento que eles tinham – que parecia ser uma solução boa”, conta.

Veiga explica que, ao todo, chegou a pagar cerca de 60% do valor do imóvel. Ocorre que ele saiu do Rio de Janeiro, onde estava o empreendimento, e ficou 12 anos fora. Agora em 2010, ele e a família estão de volta à cidade. “Há dois meses eu passei no local em que deveria estar o empreendimento e viu um prédio lá”, conta. Durante todos estes anos em que esteve fora, ele chegou a contratar dois advogados para cuidar do caso, mas acabou não ficando "em cima" da história.

Agora, ele pretende correr atrás para tentar descobrir o que, exatamente, aconteceu com o imóvel pelo qual ele pagou boa parte, que até hoje declara no imposto de renda – como “em construção” -, mas ao qual nunca teve acesso. “Talvez o erro que eu cometi foi que busquei informações de mercado. Olhei balanço da Encol, estava tudo normal. Depois descobri que estava falsificando. Acho que meu erro foi que não procurei um advogado que me desse outra orientação”, resume Veiga.

Problema herdado
Mas, às vezes, o imóvel com problemas vem de herança. Foi o que aconteceu com a escritora Fátima Sacchi de Menezes, de 52 anos, e seu marido, Reinaldo Correa de Menezes, de 61 anos. Os dois estão às voltas com uma pequena casa de um dormitório na cidade de Boituva que deveriam ter herdado do pai de Menezes.

Fátima conta que o sogro comprou a casa em 2002. “Meu sogro tinha, na época, 82 anos. Era hipertenso, semi-analfabeto, com dificuldade de andar. Todas as características ótimas para uma pessoa se engambelada”, resume.

O problema é que o proprietário da casa que ele comprou tinha falecido quatro meses antes, deixando como herdeiros a esposa, sete filhos e respectivos cônjuges. Na ocasião, não foi aberto inventário. “Meu sogro pagou o valor integral do imóvel, algo próximo de R$ 19 mil, mas, na escritura do imóvel consta que ele é proprietário de 1/14 avos”, conta Fátima.

Quando o sogro de Fátima faleceu e ela e o marido foram tentar abrir o inventário, não conseguiram, porque constava que ele era inventariante do espólio do antigo proprietário do imóvel. “Já passamos por vários advogados, recebemos as propostas mais escabrosas que você possa imaginar”, diz.

Orientação
O advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) especializado em Direito Imobiliário William Santos Ferreira explica que, no momento da compra, é preciso estar atento aos documentos do imóvel e também à documentação dos vendedores. Ele destaca que cada compra deve ser submetida à avaliação de um profissional habilitado, mas que, de maneira geral, valem as seguintes recomendações: do imóvel é preciso solicitar matrículas atualizadas, destacando que imóveis mais antigo fala-se ainda em transcrição como título de domínio; escritura; certidões da prefeitura em relação a tributos vinculados ao imóvel (taxa do lixo e IPTU); declaração da quitação de condomínio (para condomínios verticais ou horizontais); folha de rosto do IPTU, onde constam os dados cadastrais do imóvel.

“Às vezes, a análise da situação do próprio condomínio precisa ser avaliada também. Por exemplo, no caso de dívidas trabalhistas e INSS não pago”, destaca. Também é importante ter acesso às contas de energia, água e gás da unidade. “É preciso listar o que vai permanecer no imóvel, porque há casos em que o vendedor tira tudo.”

Com relação à documentação dos vendedores, entram na lista as certidões pessoais dos distribuidores forenses da Justiça Estadual e da Justiça Federal, além da Justiça do Trabalho; certidões negativas dos Cartórios de Protesto; cópias autenticadas de RG, CPF e certidão de casamento. Ferreira explica todas estas certidões devem ser, pelo menos, do local em que está o imóvel e do domicílio dos vendedores. “Muitas vezes, é no detalhe que você pode perder”, alerta o advogado.

O profissional destaca que se a aquisição for feita de pessoa jurídica, a documentação é diferente. De maneira resumida, os documentos necessários são: contratos sociais ou estatuto social atualizados – é este documento que vai determinar quem poderá representar a empresa e em quê condições. Também é com base neste contrato social que será determinado que outros documentos devem ser exigidos. No caso, todas as certidões mencionadas anteriormente, além de falências, de recuperações judiciais, e do INSS.

“Após casos como os da Encol, foi criada uma legislação para proteger o consumidor em caso de problemas e dívidas das construtoras. Para saber se a construtora em questão adotou o cuidado necessário, é preciso checar a matrícula do empreendimento, onde deve constar que o regime é do patrimônio de afetação”, diz Ferreira.

Se a compra for feita de imóvel cujo proprietário faleceu – caso do sogro de Fátima, são necessários cuidados adicionais. “Entre eles, é preciso solicitar o alvará judicial que autoriza a venda. Isso só deixa de ser necessário nos casos em que os herdeiros são maiores e capazes e não há testamento, porque nestes é possível a realização de escritura de inventário (chamado de inventário extrajudicial)”, orienta.

Outra recomendação do advogado é registrar no Cartório de Registro de Imóveis o Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra. “É importante para evitar, por exemplo, que o vendedor promova mais uma alienação do imóvel para terceiros, entre outros problemas”, esclarece.

“Nós temos uma tradição brasileira de comprarmos remédio sem receita e de comprarmos imóvel sem advogado”, conclui o especialista.



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